sexta-feira, 24 de julho de 2009

Apoio Matricial e a lógica do "necessário" para combater o especialismo

Trouxe para cá, como post, o comentário que fiz na discussão de apoio matricial iniciada por Gustavo Tenório Cunha no seu blog na rede humanizasus.


Tenho trabalhado tentando pensar a tecnologia do apoio matricial como forma de desconstrução do "especialismo" - considerando este uma racionalidade que se nutre de saberes "especializados" para construir dependência (de instituições, de sujeitos e processos) e agir em uma forma de política coorporativa/privatizante.

Poderíamos pensar que os desafios cotidianos da produção de saúde e autonomia demandam saberes e práticas novas ou recriadas que possam ampliar a capacidade de análise e intervenção no mundo. E poderia ser, por esse mesmo motivo, que esses determinados saberes se tornam necessários - pois aumentariam nossa potência de existir. Teríamos então - com uma certa inspiração espinosana - um regime ético que convoca os saberes "necessários" a serviço das forças da vida. Mas como essa ética pode nortear um arranjo de apoio matricial?

No cotidiano das práticas de saúde nos deparamos com dificuldades, tomadas por nós (gestores, trabalhadores, usuários, acadêmicos, pessoas...) como problema/desafio. Damos visibilidade e dizibilidade a esses problemas/desafios. O apoio matricial pode ser tomado como o arranjo organizacional que possibilita e autoriza que o "saber necessário" seja agenciado (acionando algo que já existe ou criando condições de criação de algo novo) pelos atores implicados para "resolver" a situação.

Tomar o apoio matricial nessa referência demonstra que o apoio matricial envolve questões mais além e aquém do que uma "fórmula" de reorganização da atenção "especializada".

Bom exemplo:

Já é bastante frequente o apoio matricial de saúde mental, no qual uma equipe de CAPS, ou de NASF, ou Regional de profissionais de saúde mental fazem apoio a serviços de Atenção Básica. Mas dificilmente se pensa que dentro dos CAPS, muitos usuários tem outros problemas de saúde que não o mental (DPOC, Hipertensão, DIabetes, etc) e estão sem acompanhamento regular ou mesmo sem acompanhamento nenhum destes problemas de saúde, porque estão em tratamento apenas nos CAPS. A lógica tradicional de pensar o sistema culpabilizaria a equipe de saúde da família do território de origem do paciente ou a equipe do CAPS que não vê além do problema de saúde mental. Sem pretender resolver de quem é a culpa... Poderiamos pensar, na lógica do apoio matricial, que a equipe do CAPS acionaria a equipe da Atenção Básica como aporte "necessário" ao processo terapêutico singular do seu usuário.

Todavia, isso força a desconstruir a visão de que o saber que vale é o "especializado" e que este está ligado sempre a uma mesma identidade de "especialista" na visão do especialismo.

Gustavo Nunes de Oliveira

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Apoio Matricial e a lógica do "necessário" para combater o especialismo

Boa discussão sobre apoio matricial rolando na rede Humanizasus, veja os links abaixo

http://www.redehumanizasus.net/node/7077

http://www.redehumanizasus.net/blog/122

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Estudos de Avaliação de Protocolos Clínicos 2 - Elaboração de diretrizes clínicas no Brasil e no Mundo

Sugiro mais uma experiência::

Digite naquela ferramenta de busca da experiência sugerida no post Estudos de Avaliação de Protocolos Clínicos 1:
"protocolos clínicos gastos exames"

Eu fiz isso na mesma ferramenta e no mesmo browser de antes, na data de hoje, e o primeiro artigo da lista foi:

SILVA, Letícia Krauss. Avaliação tecnológica e análise custo-efetividade em saúde: a incorporação de tecnologias e a produção de diretrizes clínicas para o SUS. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2003, vol.8, n.2, pp. 501-520. ISSN 1413-8123. disponível online em: .

Artigo interessante sobre Avaliação Tecnológica em Saúde, na parte final discute a adoção de diretrizes clínicas por diversos países, inclusive o Brasil. Vale à pena...

Quem souber de mais artigos interessantes para esse debate, indique à vontade.

Estudos de Avaliação de Protocolos Clínicos 1 - SDM para seguimento de diabetes

Sugiro que você faça uma experiência:

Abra uma ferramenta de busca bem popular para documentos científicos, como o google acadêmico, e digite na guia de busca: "protocolo diabetes avaliação". (os "doutores universitários" talvez riam de mim porque não sugeri uma ferramenta de busca mais "respeitável", rsrsrsrs!)

Você verá surgir uma lista de artigos recentes sobre o assunto. Os dois primeiros e mais citados da lista - usei o mozila firefox e fiz a busca pelo google acadêmico, na data de hoje - foram nessa ordem os artigos abaixo:

  1. ASSUNCAO, Maria Cecília F; SANTOS, Iná da Silva dos and GIGANTE, Denise P. Atenção primária em diabetes no Sul do Brasil: estrutura, processo e resultado. Rev. Saúde Pública [online]. 2001, vol.35, n.1, pp. 88-95. ISSN 0034-8910. diponível online em:
  2. ZANETTI, Maria Lúcia et al. Evolução do tratamento de pacientes diabéticos utilizando o protocolo staged diabetes management. Acta paul. enferm. [online]. 2007, vol.20, n.3, pp. 338-344. ISSN 0103-2100. disponível online em:
O primeiro fala das deficiências estruturais, processuais e de resultados da Atenção Básica do município de Pelotas, RS, para diagnosticar e acompanhar adequadamente, segundo as recomendações da American Diabetes Association – ADA. O segundo, mais antigo, mostra os resultados da adoção do STAGED DIABETES MANAGEMENT - SDM como protocolo de acompanhamento clínico de pacientes portadores de diabetes tipo 1 e 2 em um centro ambulatorial universitário em Ribeirão Preto, SP.
Segundo o artigo 2, "o SDM é um protocolo de atendimento sistematizado ao paciente diabético desenvolvido pelo International Diabetes Center, em Minneapolis (USA), [...] contendo um livro texto e dois Guias Rápidos para direcionar o atendimento ao paciente diabético. Os Guias Rápidos são documentos baseados nas recomendações da American Diabetes Association, do National Diabetes Data Group, do International Diabetes Federation e da Organização Mundial da Saúde"(p339).
O interessante desse segundo artigo é que a clientela excluída do estudo representa boa parte da demanda na Atenção Básica:
"Foram excluídos os pacientes com diabetes gestacional; com cadastro incompleto; os que não foram localizados; os que se recusaram a participar do estudo; os que faleceram; os que referiram dificuldades para participar do atendimento por motivo de trabalho ou estudo; os que
referiram estar participando de outro atendimento pelo convênio de saúde"(p.340).

Do universo de 240 pacientes do ambulatório, foram estudados 57, entre 28 e 72 anos, com mediana de idade em 60 anos, após aplicação dos critérios de exclusão. E os resultados após um ano de aplicação do referido protocolo foram:

"Houve aumento no cumprimento do plano alimentar pelos pacientes diabéticos, de 61,1% no início para 92,6% no final de um ano. No que se refere à atividade física, observou-se aumento de 57,4% para 66,7%. Verificou-se também um aumento da cobertura medicamentosa no tratamento do diabetes.(resumo)"
"Em relação à terapêutica medicamentosa com antidiabéticos orais, observou-se um aumento do número de pacientes que utilizaram Biguanidas como monoterapia e dos que faziam uso de Biguanidas em associação com Sulfoniluréias. Quanto ao uso de insulina, constatou-se redução do número de pacientes que utilizavam insulinaNPH como monoterapia e aumento do uso de insulina NPH em associação com insulina regular (p.341)."
"[...] Ao investigar a presença de episódios de hipoglicemia, antes e depois da implementação do
Protocolo SDM, obteve-se que, dos 54 pacientes estudados, 50% referiram episódios de hipoglicemia, antes de iniciar o tratamento com o Protocolo SDM, e 59,3% após o início do tratamento (p.341)".

Embora publicado em tom de comemoração no artigo, a adoção do tal SDM no ambulatório citado, mesmo excluindo todos os pacientes que a AB jamais poderia excluir, causou maior medicalização, com maior uso de medicamentos, mais consumo de insulina em associação, maior número de episódios de hipoglicemia - considerando que a maior parte dos pacientes era de idosos e o altíssimo risco associado à episódios de hipoglicemia nessa faixa etária - o que, certamente foi realizado à custa de um aumento da frequência dos pacientes no serviço e também aumento da dependência destes pacientes das prescrições do serviço, chegamos a conclusão que seria uma pessima idéia adotar esse protocolo para a AB em um município.

Mas aí qual não é a surpresa que o município de Pelotas, RS, teve sua AB avaliada negativamente, como nos mostra o artigo número 1 da nossa lista, de 2007, com critérios surgidos da mesma American Diabetes Association?

Leiam os artigos e vejam por sí mesmos... O que queremos para a AB?

Desafios para uma clínica própria para a Atenção Básica

Talvez fosse melhor dizer "clínicas" e não "clínica" quando pensamos em Atenção Básica (AB). Se o senso comum relaciona diretamente clínica com prática médica ou biomédica, aqueles que vivenciam o cotidiano da AB no Brasil podem perceber facilmente o quanto a vida que acontece nos territórios impõe a necessidade de "novas clínicas", novas abordagens...

É muito comum, entretanto, ouvir de usuários, de trabalhadores, de gestores e de professores universitários que, nas equipes de saúde, clínica é aquilo que os médicos fazem. Com menos frequencia ouve-se alguém dizer, geralmente preocupado com seu quinhão do mercado das profissões de saúde, que apenas os profissionais de saúde de nível superior estão habilitados a fazer clínica.
Mas, de uma vez por todas! Quem faz clínica numa equipe de saúde? Se tomarmos uma equipe da estratégia de saúde da família como exemplo, quem deles faz clínica? E como?

Mais do que uma questão teórica ou filosófica estamos falando daquilo que hoje se toma como um dos importantes eixos para a qualificação da AB. A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (SES-SP) em abril deste ano carregou no seu site uma série de documentos relacionados com o projeto chamado "Articuladores da Atenção Básica" (disponível on line em: ), o que, na visão da SES "constitui-se em importante estratégia da Secretaria de Estado de São Paulo para reorganização e apoio na qualidade de atenção básica junto aos municípios do Estado de São Paulo". E qual estratégia figura como uma das principais linhas de ação do programa, encabeçando a lista? O apoio a elaboração de protocolos clínicos.
Então tá dito. Muita gente acha boa, à princípio, a adoção de protocolos clínicos. Todavia, será preciso pensar, em função das colocações inicias deste post algumas questões, as quais proponho para discussão:
  1. Quando se pensa em protocolos clínicos, qual clínica se quer "protocolar"?
  2. Os protocolos serão construídos - como quase sempre - à partir de evidências científicas construídas dentro do paradigma biomédico? A partir de consensos de condutas médicas/ medicina baseada em evidências?
  3. Quais riscos e vulnerabilidades são alvo dos protocolos clínicos? O que há nos territórios que os protocolos "darão conta"?
  4. Como um protocolo pode servir para estimular a responsabilização, o desenvolvimento de uma prudência e ampliar as capacidades de análise e de intervenção de uma equipe de saúde na AB?
Certamente os protocolos têm utilidade. Mas a maneira como são construídos e utilizados pode fazer deles potentes indutores de medicalização, de produção de iatrogenias e subalternização das práticas de saúde não médicas. Como fazer bom uso dos protocolos na AB?

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Apresentação

Este blog foi criado com o objetivo de constituir um espaço de discussão aberto que possa, a partir da participação de seus visitantes, gerar conteúdo e subsídios para a discussão que apresentarei no Painel:"Atenção básica, crises e a consolidação do SUS-SP"; o qual acontecerá no dia 25 de agosto, das 14:30min às 16:15min, durante o 11º Congresso Paulista de Saúde Pública – CPSP, promovido pela Associação Paulista de Saúde Pública – APSP e será realizado no período de 22 a 26 de agosto de 2009, na cidade de São José dos Campos.

O congresso terá como tema: Saúde Pública e Crise(S): Fronteiras e Caminhos.

No site (
http://www.congressoapsp.com.br/) você encontrará mais detalhes sobre a programação e outras informações sobre o evento.

A idéia é democratizar o espaço convidando todos os militantes do SUS a participar desse debate através deste blog. No dia 25, no congresso, estaremos levando e dando voz e vizibilidade as principais questões que surgirem neste espaço. É claro que estão todos convidados para o congresso.

Grande abraço à todos!


Participem!